quinta-feira, 16 de junho de 2011

O MOTOR DE SISAL NUNCA CORTOU UM DEDO DOS TRABALHADORES.

O MOTOR DE SISAL NUNCA CORTOU UM DEDO DOS TRABALHADORES.

Danilo José Ramos de Oliveira[1]


É inadmissível que a ferramenta seja a culpada pelas mazelas sociais geradas pela superexploração do capital sobre o trabalho na economia sisaleira. Infelizmente, a história de debates em torno da baixa produtividade, dos parcos rendimentos e das mutilações de trabalhadores, focou, de forma equivocada, a questão tecnológica, fato este que constitui um erro dos movimentos de base, induzido pela burguesia do sisal.
Esta situação deslocou o centro da luta política e social, que é a redução da mais- valia extraída da classe trabalhadora para o problema do progresso tecnológico, induzindo os movimentos sociais a terem, de forma errada, entre as suas principais bandeiras de lutas a substituição do motor mutilador (que passou a ser visto como um ser vivo devorador de dedos, mãos e braços) e a diversificação do uso da planta, que é subutilizada diante de seu grande potencial e, por isso, limita o desenvolvimento desta economia.
Tal discussão suscita questionamentos que são importantes para compreender os interesses que estão por trás desses postulados que retiram da tecnologia sua função real dentro do modelo capitalista que, por sua vez, quer garantir os lucros do capital dentro do sistema produtivo. O primeiro é por que os capitalistas não resolveram ainda o problema tecnológico? Segundo, por que as tentativas do movimento social, que reuniram muito investimento público, porém, com pouca eficácia, vide faustinos (nova máquina que não mutila), também não resolveram o problema dos baixos rendimentos dos trabalhadores, isto é, a mutilação econômica que as relações sociais de produção promovem?
O primeiro questionamento pode ser analisado a luz do que diz o pensador marxista argentino Cláudio Katz[2] “No capitalismo, a produção está sujeita a aceleração e freios periódicos, que determinam a intensidade da inovação”. Traduzindo para a realidade sisaleira, se os capitalistas não introduziram ainda uma nova técnica de desfibramento é porque o conjunto das forças produtivas aplicado na cadeia do sisal está atendendo às necessidades de extração de mais- valia absoluta, isto é, do sobretrabalho nesta atividade econômica. Observa-se que, quando esta ferramenta de beneficiamento primário, o motor, foi repassada aos trabalhadores, em torno da década de 1970, livrou o empresariado de todas as responsabilidades trabalhistas e previdenciárias com toda a categoria, além disso, o repasse da máquina, capital constante, aumentou a composição orgânica do capital para os trabalhadores reduzindo seus rendimentos. Observa-se também que esta fase inicial da produção está alienada às etapas seguintes de beneficiamento e comercialização, que são controladas pelos capitalistas e acabam por controlar a agregação de valor, neste primeiro momento, a partir da política de preços.
Como conseqüência deste modelo, os trabalhadores são obrigados a intensificar o ritmo de trabalho para garantir os parcos ganhos que ficam no nível apenas de reprodução precária da força de trabalho e geram efeitos devastadores sobre os corpos dos mesmos, sendo esta a razão dos altos índices de acidentes que mutilam os corpos e a alma dos homens e mulheres que sobrevivem desta atividade econômica. É preciso retirar, assim, de forma justa, a culpa das máquinas que historicamente foram acusadas de cortar dedos, mãos, braços e, por fim, sangrar a alma dos sujeitos laborais em questão. Neste momento peço desculpas, mas não poderia deixar de ironizar a situação animando este ser inanimado tão injustiçado durante anos de forma racionalizada pelos donos do capital e de forma inconsciente pela classe trabalhadora.
Esta análise demonstra que as máquinas não possuem vida e que as condições reais das forças produtivas da cadeia do sisal, apresentadas hoje em nossa região, são as necessárias para a manutenção da taxa de lucro, que enriquece cada vez mais o principal grupo econômico, família Rios e associados externos, em detrimento dos demais empresários, que são obrigados a mudar de atividade ou se submeter ao seu controle e dos trabalhadores, os mais penalizados neste processo e que, gradativamente, também vão fugindo com todas as dificuldades pra outras atividades econômicas, principalmente para a construção civil inflada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Esta situação talvez tenha provocado todos esses rebuliços do capital monopolista, que volta a culpar o motor e o governo pela falta de investimentos no setor; outro fato que também não se sustenta, tendo em vista os incentivos à pesquisa e as ações da CONAB desenvolvidas na região.
Na verdade, essa movimentação do capital monopolista, diante principalmente da redução da mão-de-obra, capital variável gerador de mais-valia, tem como horizonte pressionar o governo a bancar ou subsidiar a mudança técnica, eliminando os custos com o capital constante, tal como a antiga máquina desfibradora africana ou outra ação inovadora, tão importante para a manutenção da taxa de lucro do setor. Compreendido isto, cabe aos trabalhadores e ao movimento sindical da região ficar de olhos bem abertos para evitar qualquer política pública que ajude a continuar a superexploração do trabalho pelo capital nesta atividade econômica.


[1] Professor de História da Rede Estadual de ensino, licenciado pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Vereador do município de Conceição do Coité, pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
[2] Marx e a tecnologia. In: COGGIOLA, Oswaldo. Marx e Engels na história. São Paulo: Xamã, 1996.

Um comentário:

  1. Perfeito, Danilo. Belíssima análise. É preciso apontar, sim, e sempre, quem são os verdadeiros culpados por toda a exploração da vida e do suor dos trabalhadores. É preciso sempre culpar o capitalista e sempre estar contra ele.

    E você falou no sindicato, e mais do que nunca é preciso fortalecer a força sindical a cada dia.

    E, por fim, não podemos nunca nos esquecer do conselho do István Mészáros

    "Só um vasto movimento de massa radical e extraparlamentar pode ser capaz de destruir o sistema do domínio social do capital" (A Atualidade histórica da ofensiva socialista)

    Um abraço, companheiro!!!

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